sopro

deito-me todos os dias com a esperança de acordar com um bocadinho mais de fôlego. mas cada dia quando acordo sinto que perdi mais um pouco das minhas forças. custa-me repirar. os únicos momentos em que me sinto bem são estes.

cada dia que estamos juntas o tempo começa cerrado. as frestas que se abrem pelo caminho são os fôlegos de que ela fala, o sopro, o ar. escutá-la não é ouvir o que ela diz, é estar ali, a seu lado, penteando o cabelo, acariciando a mão, calçando a meia, e o corpo a passear por ontems e hojes. por uma fresta tão estreita como a fresta do sopro vê-se um raminho de flor a nascer num dos ramos da laranjeira magricela. eu não vejo bem mas aquilo é flor, não é? a árvore está a dar flor, não está? venha connosco lá baixo aos bancos, está solinho hoje, venha ver a laranjeira mais de perto. não, já não tenho nenhuma vontade de sair de onde estou, eu vejo daqui, as minhas viagens são com vocês. então vamos ao méxico! se estar aqui é viajar somos livres de ir onde quisermos!o largo da severa está diferente, ainda hoje esteve por aí o presidente, eu sei porque andavam a filmar. filmaram a vizinha que está sempre à janela. sabe, em breve vamos começar outra vez a entregar danças como quem entrega cartas. depois tem que vir à janela receber a sua dança. não sei minha querida, eu já estou mesmo no fim.

o fim.

a morte é a interrupção de uma determinada forma de vida. não é o fim do movimento. é a interrupção daquela forma de vida que o movimento dançou. mas que saudades tenho eu de abraçar esta amiga que ainda abraço na sua casa apertada, que difícil que é senti-la a escoar. o café 13 de são paulo não vai voltar a abrir, essa forma de vida interrompeu-se.

o encontro com estas maravlhosas formas de vida que tenho o prazer de abraçar são fonte de alegria, de vibração e de agradecimento.

sofia

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